30 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
PUBLICADO EM SESSÃO
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
ACÓRDÃO
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 228-79.2012.6.26.0047 - CLASSE 32 -FERNÃO - SÃO PAULO
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Emerson Marcello Baraldi
Advogados: Evandro Dias Joaquim e outros
Recorrido: Ministério Público Eleitoral
Recorrido: Adélcio Aparecido Martins
Advogado: Renato de Gênova
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE
CADIDATURA. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO.
CONDENAÇÃO. ÓRGÃO COLEGIADO. CRIME
CONTRA A ECONOMIA POPULAR. INELEGIBILIDADE.
CARACTERIZAÇÃO. NÃO PROVIMENTO.
1. São inelegíveis, nos termos do art. 1 0, 1, e, 1, da
LC 64190, os que forem condenados, em decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, por crime de adulteração de combustível,
tipificado no art. l, 1, da Lei 8.176191, pois configura
crime contra a economia popular.
2. Recurso especial não provido.
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por
unanimidade, em desprover o recurso, nos termos das notas de julgamento.
Brasília, 25 de outubro de 2012.
UNISRAN CYAND IGHI RE TORA
REspe n 228-79.2012.6.26.0047/SP 2
RELATÓRIO
A SENHORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Senhora
Presidente, cuida-se de recurso especial interposto por Emerson Marcello
Baraldi, candidato ao cargo de prefeito de Fernão/SP nas Eleições 2012,
contra acórdão do TRE/SP assim ementado (fl. 242):
REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. PRELIMINARES AFASTADAS. MÉRITO. CONDENAÇÃO POR
CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. INCIDÊNCIA DA CAUSA
ALÍNEA DE INELEGIBILIDADE CAPITULADA NO ARTIGO 1 E, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64190 COM A REDAÇÃO 0 , INCISO 1,
DADA PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 13512010.
DESPROVIMENTO DO RECURSO.
A impugnação ao registro de candidatura do recorrente foi
julgada procedente em primeiro grau de jurisdição por incidência da hipótese
de inelegibilidade prevista no art. 1 11 , 1, e, 1, da LC 641901, em virtude de
condenação criminal, transitada em julgado, por crime de adulteração de
combustível, tipificado no art. 1, 1, da Lei 8.176/912.
Em sede recursal, o TRE/SP confirmou a sentença. Afastou as
preliminares de nulidade da sentença e de cerceamento de defesa e, no mérito,
consignou que o crime de adulteração de combustível consiste em crime contra
a economia popular, incidindo, por isso, a inelegibilidade em exame.
No recurso especial eleitoral, Emerson Marcello Baraldi alega
violação dos arts. 50, LIV e LV, da CF/88 3 e 50 da LC 64190 4 . Aduz que sofreu
1 Art. 1 0 São inelegíveis:
- para qualquer cargo:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público.
2 Art. 1 Constitui crime contra a ordem econômica:
- adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado
carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei; Pena: detenção de um a cinco anos.
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Art. 50 Decorrido o prazo para contestação, se não se tratar apenas de matéria de direito e a prova protesta4a for
relevante, serão designados os 4 (quatro) dias seguintes para inquirição das testemunhas do impugnante
REspe nº 228-79.20 1 2.6.26.0047/SP 3
Assevera, ainda, que o acórdão regional viola os arts. 93, IX, da CF/88, 458 e 535 do CPC 5 , porquanto o juiz singular deixou de analisar os argumentos apresentados na defesa, além de não ter se manifestado sobre os supostos vícios indicados nos declaratórios. Assim, defende que a sentença é nula por deficiência de fundamentação.
Em relação ao mérito, sustenta violação dos arts. 50, II e III, da CF/88, 1 1, 1, e, da LC 64190 e 1, 1, da Lei 8.176191. Argumenta que o crime de adulteração de combustível não consiste em crime contra a economia popular, mas sim em crime contra a ordem econômica, o qual não está previsto na LC 64/90.
Afirma que, ao empregar interpretação ampliativa a fim de englobar o crime de adulteração de combustível no conceito de crime contra a economia popular, o Tribunal de origem contrariou a jurisprudência do TSE de que as hipóteses de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente.
Acrescenta violação dos arts. 14, § 70, da CF/886 e 89 da Lei 9.099/95v . Defende que não pode ser considerado inelegível, pois o crime pelo qual foi condenado é inexpressivo. Finaliza aduzindo que seria razoável se lhe aplicassem os benefícios da suspensão condicional do processo, já que está cumprindo o termo de ajustamento de conduta celebrado nos autos da ação penal, cujas condições são as mesmas que foram propostas pelo Ministério Público Estadual para que ele fosse beneficiado com a referida suspensão.
Requer, ao final, o provimento do recurso especial para deferir o seu registro de candidatura.
Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:
- o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de tato e de direito;
III - o dispositivo, em que ouiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.
6 Art. 50 [omissis]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
Art. 14 [ulIIi,si]
§ 7 1 São iieleyíveis, no território de JurIsdIção do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde ue o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisito que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
REspe nº 228-79.2012.6.26.0047/SP 4
Foram apresentadas contrarrazões às folhas 327-329.
A Procuradoria-Geral Eleitoral opina pelo parcial conhecimento e, nessa parte, pelo não provimento do recurso (fls. 333-335).
Petição às folhas 338-339, na qual o recorrente informa que foi eleito e reitera o pedido de provimento do recurso especial.
Ê o relatório.
VOTO
A SENHORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI (relatora): Senhora Presidente, inicialmente, não prospera o alegado cerceamento de defesa em razão de o juízo eleitoral ter indeferido pedido de produção de prova testemunhal, pois, conforme consignado no acórdão regional, a causa versa sobre questão exclusivamente de direito, o que afasta a necessidade de dilação probatória.
De fato, a condenação criminal do recorrente é incontroversa, discutindo-se tão somente o enquadramento do crime pelo qual foi condenado entre os previstos no art. 1, 1, e, da LC 64190, matéria eminentemente jurídica. Ademais, o recorrente não demonstra prejuízo advindo da negativa de produção de provas. Desse modo, não há falar em violação dos arts. 50, LIV e LV, da CF/88 e 5 0 da LC 64190.
No que tange à suposta deficiência de fundamentação da sentença, também não merece êxito o recurso especial, pois o recorrente não especifica sequer quais as questões que supostamente foram ignoradas pelo juiz eleitoral, tampouco demonstra a relevância desses pontos para o deslinde da causa. Incide, assim, a Súmula 284/STF, visto que a deficiência da fundamentação do recurso no permite a exata compreensão da controvérsia.
Em relação ao mérito, o TRE/SP indeferiu o registro de candidatura por concluir que o crime de adulteração de combustível, pelo q ai o
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recorrente foi condenado, consiste em crime contra a economia popular, incidindo, assim, a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1 1 , 1, e, 1, da LC 64190.
O recorrente alega que não está inelegível porquanto o mencionado crime insere-se no conceito de crimes contra a ordem econômica, os quais não estão previstos na LC 64190.
Com efeito, o crime de adulteração de combustível, tipificado no art. 1, 1, da Lei 8.176191, consiste em "adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei". Cuida-se de crime que tutela, a um só tempo, os bens jurídicos, ordem econômica e economia popular.
Os crimes contra a ordem econômica objetivam reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros, nos termos do art. 173, § 40, da CF/888.
Por sua vez, a economia popular consiste no complexo de interesses econômicos domésticos, familiares e individuais, que constituem in abstrato um patrimônio de um número indefinido de indivíduos na vida em sociedade. Nesse sentido se pronuncia a doutrina:
Nelson Hungria, um dos colaboradores da Lei n. 1.521151, definia o crime contra a economia popular como "todo fato que represente um dano efetivo ou potencial ao patrimônio de um número indefinido de pessoas".
A economia popular, na definição de Elias de Oliveira, o melhor
comentador da lei, "é a resultante do complexo de interesses econômicos domésticos, familiares e individuais, emborca como fictio juris, constituindo in abstrato um patrimônio do povo, isto é de um indefinido número de indivíduos na vida em sociedade".
(SILVA, José Geraldo da at a/li. Leis penais especiais anotadas. 10. ed. Campinas: Millenium Editora, 2008.
Assim, tanto os crimes contra a ordem econômica quanto os crimes contra a economia popular visam proteger interesses metaindividuais,
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pois as condutas tipificadas têm potencial para atingir número indeterminado de pessoas.
Na espécie, o recorrente foi condenado por ter revendido combustível em desacordo com as especificações técnicas a usuários de veículos automotores. De acordo com informação contida no recurso especial, ele comercializou gasolina com percentual de álcool acima do estabelecido pela Agência Nacional de Petróleo (ANP).
Essa conduta, a toda evidência, atinge simultaneamente interesses metaindividuais relacionados à ordem econômica e à economia popular. A conduta de adulterar combustível viola a livre concorrência na medida em que o revendedor, utilizando-se de meio ilegal, reduz o custo do produto e, em consequência, eleva a sua margem de lucro, em detrimento dos concorrentes de mercado. Além disso, prejudica a economia de uma quantidade indeterminada de pessoas que adquirem o produto pelo preço de mercado, confiantes de que o combustível está sendo comercializado de acordo com as normas técnicas, podendo, inclusive, vir a sofrer prejuízo indireto decorrente de defeitos no automóvel.
Ressalte-se que o simples fato de a ementa da Lei 8.176191, na qual está tipificado o crime de adulteração de combustível, fazer referência a crimes contra a ordem econômica não significa que os tipos penais nela previstos não ofendem outros bens jurídicos, conforme já assentou o TSE. Confira-se:
Nesses termos, ao contrário do estipulado no acórdão recorrido, o simples fato de a ementa da Lei nº 8.176191 fazer referência exclusiva a crimes contra a ordem econômica não tem o condão de, por meio de uma interpretação literal e limitada, estabelecer que os crimes ali previstos não ofendem outros bens tutelados pelo ordenamento jurídico.
( REspe 35366, Rei. Mm. Cármen Lúcia, Rei. designado Mm. Joaquim Barbosa, DJe de 28.9.2010)
Nesse precedente, discutiu-se a inelegibilidade de candidato condenado por crime previsto no art. 2 0, § 1 0 , da Lei 8.176191, por ter adquirido e
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comercializado ouro extraído irregularmente do subsolo. Esta Corte entendeu
que, não obstante o crime esteja tipificado na Lei 8.176191, a mesma que tipifica
o crime praticado pelo recorrente, em que a ementa se refere a crimes contra a
ordem econômica, esse fato criminoso também constitui crime contra o
patrimônio público, o que atrai a inelegibilidade do art. 1, 1, e, 1, da LC 64190.
Não se cuida de conferir interpretação extensiva ao dispositivo,
mas de realizar uma interpretação sistemática e teleológica, tendo em vista o
fato de que a LC 64190 destina-se a restringir a capacidade eleitoral passiva
daqueles cuja vida pregressa não demonstre idoneidade moral para o exercício
de mandato eletivo, tais como os candidatos que tenham cometido crime
contra a economia popular.
Ademais, a jurisprudência do STJ corrobora o entendimento de
que o crime de adulteração de combustível consiste em crime contra a
economia popular. Confirmo:
HABEAS CORPUS. ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL. LEI 8.176191. CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. RESPONSABILIDADE PENAL DO DISTRIBUIDOR. INOCÊNCIA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL COM BASE EM PORTARIA DA ANP. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. "Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular" (Súmula 498 do STF).
3. Distribuir combustível em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei constitui crime (art. 1 0, 1, da Lei 8.176191).
E ...1
6. Ordem denegada.
(HC 60.6521PB, Rei. Mm. Arnaldo Esteves, DJde 1º.10.2007).
(sem destaque no original)
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL E JUÍZO ESTADUAL. CRIMES CONTRA A ECONOMIA POPULAR E CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL. DENÚNCIA RECEBIDA PELO JUÍZO FEDERAL QUANTO AO CRIME ATO QUE FIRMA A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO\/ DE INUTILIZAÇÃO DE SINAL (ROMPIMENTO DE LACRES DA ANP. DELITOS CONEXOS. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 122.
REspe n 228-79.2012.6.26.0047/SP 8
( CC 115.445/SP, Rei. Min. Sebastião Reis, DJede 9.11.2011).
(sem destaque no original)
No mesmo sentido: RHC 21.5791SP, Rei. Mm. Napoleão
Nunes Maia, DJde 24.9.2007; RHC 21.6241SP, Rei. Mm. Felix Fischer, DJe de
31.3.2008; AgRg- CC 90.0351SP, Rei. Min. Og Fernandes, DJe de 13.5.2009;
CC 56.8041SP, Rei. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 9.4.2007.
Finalmente, no que tange à suposta violação dos arts. 14, § 70,
da CF/88, a alegada inexpressividade da conduta criminosa não interfere na
configuração da inelegibilidade em exame e, quanto ao art. 89 da Lei 9.099195,
não se trata de matéria pertinente ao processo de registro de candidatura, mas
sim à ação penal na qual o recorrente foi condenado.
Desse modo, o recorrente encontra-se inelegível, nos termos
do art. 1, 1, e, 1, da LC 64190, pois foi condenado, em decisão transitada em
julgado, por crime contra a economia popular.
Forte nessas razões, nego provimento ao recurso especial \ /
eleitoral.
É o voto.
REspe nº 228-79.2012.6.26.0047/SP
EXTRATO DA ATA
REspe nº 228-79.2012.6.26.0047/SP. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Recorrente: Emerson Marcello Baraldi (Advogados: Evandro Dias Joaquim e outros). Recorrido: Ministério Público Eleitoral. Recorrido: Adélcio Aparecido Martins (Advogado: Renato de Gênova).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, desproveu o recurso, nos termos do voto da relatora. Acórdão publicado em sessão.
Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Presentes as Ministras Rosa Weber, Nancy Andrighi, Laurita Vaz e Luciana Lóssio, os Ministros Dias Toifoli e Arnaldo Versiani, e a Vice-Procuradora-Geral Eleitoral, Sandra Cureau.
SESSÃO DE 25.10.2012.