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19 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal Superior Eleitoral TSE - Recurso Especial Eleitoral: REspe XXXXX-38.2018.6.13.0000 Belo Horizonte/MG - Inteiro Teor

Tribunal Superior Eleitoral
há 4 anos

Detalhes

Processo

Publicação

Julgamento

Relator

Min. Luiz Edson Fachin
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Inteiro Teor


TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº XXXXX-38.2018.6.13.0000 (PJe) – BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS
Relator: Ministro Edson Fachin
Recorrente: Ministério Público Eleitoral
Recorrido: Wendel Cristiano Soares de Mesquita
Advogados do Recorrido: Guilherme Sergio dos Santos Silva - MG1293000A, Aeliton Pontes Matos - MG1763970A, Melissa Lara Andrade - MG1438660A, Karoline Rodrigues Pinheiro - MG1524620A, Tiago Tavares Silva - MG1650500A, Michele Rocha Cortes Hazar - MG1392150A

DECISÃO
ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO PROVENIENTE DO FUNDO PARTIDÁRIO DE DIRETÓRIO NACIONAL DE OUTRO PARTIDO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE COLIGAÇÃO COM O PARTIDO DO CANDIDATO. IMPOSSIBILIDADE. DOAÇÃO ENTENDIDA COMO DE FONTE VEDADA. IRREGULARIDADE GRAVE. PRECEDENTES DO TSE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA DESAPROVAR AS CONTAS DE WENDEL CRISTIANO SOARES DE MESQUITA COM A DEVOLUÇÃO DA QUANTIA DE R$ 60.000,00 (SESSENTA MIL REAIS) AO DOADOR, NOS TERMOS DO ART. 33, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.553/2017.
Trata-se de recurso especial eleitoral interposto pelo Ministério Público Eleitoral em face de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG) que, acolhendo embargos de declaração com efeitos infringentes, julgou aprovadas com ressalvas as contas de campanha de Wendel Cristiano Soares de Mesquita, candidato a Deputado Estadual nas eleições de 2018. O acórdão recebeu a seguinte ementa (ID XXXXX):

“Embargos de declaração. Prestação de Contas. Eleições 2018. Contas desaprovadas.
1 – Preliminar. Não conhecimento dos embargos de declaração. Suscitada pela PRE. Rejeitada.
2 - Mérito.
O entendimento atual predominante neste Tribunal é o de que não há vedação específica na legislação eleitoral que impeça o recebimento pelo candidato de doação de recursos do Fundo Partidário oriundos de outros partidos (PC Nº XXXXX-26.2018.6.13.0000).
Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes, para julgar as contas aprovadas com ressalvas, decotando do acórdão embargado a determinação de devolução ao Órgão de Direção Nacional do Partido da República do valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil) reais.”

Nas razões do recurso especial, interposto com fulcro no art. 276, I, a e b, do Código Eleitoral, o recorrente alega violação aos arts. 41-A e 44, III, da Lei nº 9.096/95, além de dissídio jurisprudencial com julgado do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE/AP).
Afirma que “o candidato Wendel Cristiano Soares de Mesquita, eleito ao cargo de Deputado Estadual pelo Partido Solidariedade, recebeu doação no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) do Diretório Nacional do Partido da República, por meio de transferência eletrônica, sendo tais recursos oriundos do Fundo Partidário” (ID XXXXX, p. 4).
Segue sustentando que “a doação de recursos de partido político a candidato não integrante da coligação não possui amparo legal” (ID XXXXX, p. 5) violando os arts. 41-A e 44, III, da Lei dos Partidos Políticos, na medida em que deve se fazer uma interpretação sistemática da norma, a permitir a doação de partidos políticos apenas para promover as campanhas de seus filiados.
Assevera que o eventual repasse de valores do Fundo Partidário entre partidos políticos não coligados constitui forma de desvio de recursos públicos e de burla à legislação que prevê a distribuição desses recursos e proíbe a doação eleitoral por pessoas jurídicas.
Aponta, ainda, que o acórdão regional divergiu do entendimento adotado pelo TRE/AP, que “concluiu ser fonte vedada o recebimento de recursos do fundo partidário por candidato não filiado à agremiação doadora e que sequer faz parte de partido que compõe coligação com o partido doador” (ID XXXXX, p. 9).
Requer, ao final, o conhecimento e o provimento do recurso para que “sejam julgadas desaprovadas as contas do candidato WENDEL CRISTIANO SOARES DE MESQUITA, com a aplicação das sanções cabíveis” (ID XXXXX, p. 14).
O recurso especial foi admitido pela Presidência do TRE/MG (ID XXXXX).
As contrarrazões ao recurso foram apresentadas, defendendo que o apelo não pode ser conhecido por deixar de impugnar os fundamentos da decisão, por pretender o reexame de matéria probatória e da falta de similitude entre o julgado invocado como paradigma e o caso concreto. No mérito, assevera que a interpretação da legislação sobre limitações às doações de campanha deve ser restritiva e não abarca a contabilidade ora analisada e apontando a inexistência de norma que impeça os partidos políticos de realizarem doações para candidatos de outras agremiações. Requerem, ao final, o não conhecimento do recurso e, se conhecido, que lhe seja negado provimento (ID XXXXX).
A Procuradoria-Geral Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso (ID XXXXX).
É o relatório. Decido.
O recurso especial merece prosperar.
Anote-se, desde logo, a desnecessidade de revisar a moldura fática contida no acórdão recorrido, uma vez que o que se pretende é a modificação da qualificação jurídica atribuída ao recebimento de doação de recursos, em pecúnia, pelo recorrido de partido político integrante de coligação distinta daquela pela qual foi candidato.
Anote-se, igualmente, que há fundamentação específica no recurso especial eleitoral em contraposição ao entendimento firmado pelo Tribunal Regional Eleitoral mineiro sobre a questão, afastando-se o óbice da Súmula 26 deste Tribunal Superior Eleitoral.
No mérito, lê-se nos embargos de declaração, acolhidos com efeitos infringentes, que a Corte regional entendeu que “não há vedação específica na legislação eleitoral que impeça o recebimento pelo candidato de doação de recursos do Fundo Partidário oriundos de outros partidos” (ID XXXXX, p. 21), afastando a doação de fonte vedada e aprovando, com ressalvas, as contas de campanha do recorrido.
Inicialmente, cumpre esclarecer que o Fundo Partidário, com previsão constitucional e regulamentação infraconstitucional pela Lei nº 9.096/1995, é constituído de recursos públicos e privados que se destinam à formação, ao desenvolvimento e ao fortalecimento dos partidos políticos, sendo a distribuição de seus recursos regulada tanto pelo art. 17, § 3º, da Constituição Federal como pelo art. 41-A da Lei nº 9.096/1995.
Referidos recursos possuem destinação específica, devendo ser aplicados nos moldes do que estabelece o art. 44 da Lei nº 9.096/1995, pois, em razão de sua natureza pública, deve ser demonstrada a correlação entre as despesas e as atividades partidárias, servindo para que a agremiação fortaleça sua estrutura interna e a divulgação de sua ideologia.
Uma vez que se trata de recursos públicos, aplica-se a racionalidade que apenas podem ser utilizados da forma prevista em lei, ressaltando-se a inexistência de norma permissiva de sua aplicação em benefício de interesses particulares.
Dessa forma, ao possibilitar a utilização de recursos do Fundo Partidário para os alistamentos e campanhas eleitorais, o inciso III do art. 44 da Lei nº 9.096/1995 permite a promoção dos partidos políticos por meio do investimento na candidatura de seus filiados.
No mesmo sentido, o art. 21 da Resolução-TSE nº 23.553/2017 estabelece que “os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores”.
O art. 17, III e V, da mesma Resolução, por seu turno, também permite que as campanhas eleitorais recebam recursos de outros partidos e de outros candidatos, nos seguintes termos:

Art. 17. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:
I - recursos próprios dos candidatos;
II - doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas;
III - doações de outros partidos políticos e de outros candidatos;
IV - comercialização de bens e/ou serviços ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político;
V - recursos próprios dos partidos políticos, desde que identificada a sua origem e que sejam provenientes:
a) do Fundo Partidário, de que trata o art. 38 da Lei nº 9.096/1995;
b) do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC);
c) de doações de pessoas físicas efetuadas aos partidos políticos;
d) de contribuição dos seus filiados;
e) da comercialização de bens, serviços ou promoção de eventos de arrecadação;
f) de rendimentos decorrentes da locação de bens próprios dos partidos políticos.
VI - rendimentos gerados pela aplicação de suas disponibilidades.

Essa permissão de doação para campanha de candidato de partido diverso é importante para o fortalecimento das coligações, que acabam participando da disputa eleitoral como um partido único.
Não parece ser interessante aos partidos políticos, e nem estar de acordo com a sistemática do ordenamento jurídico, que um partido doe seus próprios recursos do Fundo Partidário para a campanha de um candidato filiado a partido político adversário e não coligado.
Como bem salienta o parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (ID XXXXX, p. 3):
“12. Dessa forma, por mais que não haja dispositivo específico que vede as doações de um partido a candidato de um outro com o qual não está coligado, autorizar essa conduta seria abrir portas para uma estratégia de desvio dos limites estabelecidos pelo dispositivo legal para os recursos do Fundo.
13. No entanto, isso decorre simplesmente porque essa proibição advém de uma regra tão básica e elementar da disputa partidária que prescinde de disposição expressa em lei: a vedação de que os players dessa disputa não possam atuar contra o seu próprio time (partido). Tal premissa, conquanto tácita, confere lealdade e transparência ao pleito e, por conseguinte, aos eleitores.”

No caso dos autos, o candidato recorrido concorreu ao cargo de Deputado Estadual nas Eleições 2016 por meio do partido Solidariedade, e recebeu doação do Partido da República que não era com ele coligado. Dessa forma, diante da ausência de coligação entre os partidos envolvidos, a conduta realizada não encontra guarida em nenhuma das normas que permitem a doação de partidos políticos às campanhas eleitorais.
O repasse de verbas públicas reservadas para a promoção e divulgação da ideologia e propostas do Partido da República para candidato filiado ao Solidariedade importa em violação à racionalidade fundante da norma que criou o fundo partidário, tornando-a inócua em razão de destinação inábil a atender ao seu desígnio primário.
Ademais, não se deve olvidar que os partidos políticos possuem natureza de pessoa jurídica de direito privado e, nessa qualidade, são impedidas pela legislação eleitoral de realizar doações para candidatos estranhos ao seu quadro de filiados ou, quan, nos termos do disposto no art. 33, I, da Resolução TSE nº 23.553/2017, a percepção de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) pelo recorrido, provenientes do Diretório Nacional do Partido da República, deve ser entendida como doação de fonte vedada.
Esse é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, que em recente julgamento, realizado na sessão do dia 3.9.2019, apreciou caso muito semelhante ao dos autos, assentando que o partido político apenas pode fazer doações de recursos para as campanhas eleitorais de seus filiados ou de candidatos filiados a outros partidos que sejam com ele coligados, de forma que o descumprimento dessa regra configura doação por fonte vedada. Confira-se:

“ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DOAÇÃO. RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ÓRGÃO NACIONAL DE PARTIDO POLÍTICO. DONATÁRIO. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL DE AGREMIAÇÃO NÃO COLIGADA COM A GREI DOADORA. FONTE VEDADA. IRREGULARIDADE GRAVE. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. VALOR DOADO. DEVOLUÇÃO AO DOADOR.
Histórico da demanda
1. O Tribunal de origem desaprovou as contas de campanha do recorrente e determinou a devolução ao doador da quantia de R$ 25.000,00, referente a recursos financeiros oriundos de fonte vedada, nos termos do art. 33, I e § 2º, da Res.-TSE 23.553, tendo em vista que o prestador das contas, candidato ao cargo de deputado estadual, recebeu doação efetuada com recursos do Fundo Partidário pelo Diretório Nacional do Partido da República (PR), o qual não estava coligado com a agremiação pela qual o candidato concorreu ao pleito estadual.
Do recurso especial
2. Os recursos oriundos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) são públicos e têm a sua aplicação vinculada ao disposto no art. 44 da Lei 9.096/95, devendo todo e qualquer gasto ser voltado à própria atividade partidária e comprovada a sua vinculação. Precedente: PC XXXXX-55, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 1º.3.2018.
3. Os arts. 44, III, da Lei 9.096/95, e 21, caput, da Res.-TSE 23.553 facultam ao partido político a utilização de recursos oriundos do Fundo Partidário em campanhas eleitorais, sem especificar, de modo expresso, se tal destinação estaria limitada ao apoio aos candidatos próprios da legenda ou se abrangeria candidaturas promovidas por outras agremiações. Todavia, o art. 17 da citada resolução prevê a possibilidade de serem destinados às campanhas eleitorais recursos provenientes de doações de outros partidos políticos e de outros candidatos (inc. III), assim como valores próprios das agremiações partidárias, inclusive os provenientes do citado fundo (inc. V, a).
4. Conforme lição que se extrai do voto proferido pelo Ministro Fernando Neves na Cta 773 (Res.-TSE 21.098, DJ de 2.7.2002), ‘os partidos políticos recebem recursos provenientes do Fundo Partidário e estes devem ter a destinação estipulada por lei que é a de divulgar as diretrizes e plataformas do partido político e de seus próprios candidatos. Não há como registrar, nas prestações de contas, gastos realizados em benefício de candidato ou partido adversário’.
5. A proibição da destinação de recursos públicos para o financiamento da campanha de partidos não coligados com a grei doadora não constitui situação nova no entendimento do TSE, pois o § 1º do art. 19 da Res.-TSE 23.553 prevê, quanto aos valores distribuídos aos diretórios nacionais, que, ‘inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedada a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos’.
6. A doação realizada com recursos do Fundo Partidário por órgão nacional de partido político e em benefício da campanha de candidato a deputado estadual registrado por agremiação que não formou coligação com a grei doadora configura irregularidade grave e caracteriza o recebimento de recursos oriundos de fonte vedada, precisamente de pessoa jurídica, nos termos dos arts. 33, I, da Res.-TSE 23.553 e 31, II, da Lei 9.096/95, pois tal liberalidade não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais e regulamentares que autorizam as agremiações partidárias a contribuir para as campanhas de outros partidos e, por conseguinte, de candidatos dessas outras legendas.
7. Interpretação que se afigura razoável em virtude da natureza pública dos recursos do Fundo Partidário, os quais são distribuídos aos partidos para o financiamento da própria atividade partidária e com base nos critérios estabelecidos no § 3º do art. 17 da Constituição, vinculados ao número de votos válidos obtidos pela grei nas eleições para a Câmara dos Deputados ou ao número de deputados federais eleitos pela legenda.
8. A irregularidade constatada atrai a incidência da regra prevista no art. 33, § 2º, da Res.-TSE 23.553, a qual determina que o donatário devolva ao doador os recursos recebidos de fonte vedada.
9. O pedido recursal de que, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da anualidade eleitoral, o entendimento adotado na solução do presente caso seja aplicado apenas em feitos de eleição futura não merece acolhimento, pois não há falar em mudança de jurisprudência na espécie. A questão controvertida é analisada pela primeira vez por este Tribunal Superior, tanto que o recorrente não apontou nenhum aresto desta Corte que tenha examinado a matéria e decidido em sentido diverso.
Conclusão
Recurso especial a que se nega provimento.”
(Respe nº 060119381/AP, Rel. Min. Sérgio Banhos, acórdão ainda pendente de publicação)

Ante o exposto, com esteio no art. 36, § 7º, do RITSE, dou provimento ao recurso especial do Ministério Público Eleitoral para desaprovar as contas de campanha de Wendel Cristiano Soares de Mesquita com a determinação de devolução da quantia de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) ao doador, nos termos do art. 33, § 2º, da Resolução TSE nº 23.553/2017.
Publique-se. Brasília, 28 de novembro de 2019. Ministro EDSON FACHIN Relator

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tse/787404606/inteiro-teor-787404607